Somos capazes de escutar as vulnerabilidades socialmente induzidas?

Repensando o lugar de escuta em psicanálise para além da ''abstinência'' do analista

Autores

DOI:

https://doi.org/10.59099/prpub.2024.93

Palavras-chave:

Acolhimento institucional, Teoria Psicanalítica, Saúde mental, Interseccionalidade, Contemporaneidade

Resumo

A partir de interrogações oriundas da clínica da recepção junto a sujeitos vulnerabilizados num ambulatório público de saúde mental, investigamos as articulações emergentes entre o referencial da psicanálise implicada, a incidência da dimensão da vulnerabilidade na escuta, e também a prática do testemunho. A metodologia do artigo consistiu num ensaio teórico interdisciplinar, baseado em articulações entre psicanálise, o conceito de vulnerabilidade da saúde coletiva e algumas contribuições de Judith Butler. A premissa ética e política que orientou o trabalho de investigação gira em torno da defesa de uma clínica que não redunde na prática da individualização e, portanto, da despolitização dos relatos endereçados. Uma clínica interrogada sobretudo por formas de silêncio que aparecem como formas de sobrevivência diante do horror. É desse paradoxo que a investigação atual extrai consequências, tensionando articulações para contribuir com uma psicanálise implicada, que seja capaz de diferenciar impossibilidades politicamente induzidas daquelas intrínsecas à subjetivação.

Biografia do Autor

Victor Hugo Amorim de França, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Psicólogo (PUC-Rio), Especialista em Clínica Psicanalítica (IPUB/UFRJ). Ex-Coordenador Adjunto do Laboratório de Pesquisa em Psicanálise Aplicada às Adicções (LAPSA/PROJAD/IPUB/UFRJ). Pesquisador Colaborador no Laboratório de Psiquiatria Transcultural e Etnopsicanálise (LaPTE/IPUB/UFRJ).

Bruno Netto dos Reys, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Médico psiquiatra e psicanalista. Bacharel em Ciências Sociais. Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal (DPML) da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação em Ciências Sociais pela UFRJ (1986) e graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 1992). Possui títulos de Residência Médica em Psiquiatria pela UFRJ (1995), Mestrado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ (1998) e Doutorado em Psicologia pela UFRJ (2015). Tem experiência na área de medicina, com ênfase em psiquiatria e psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: psiquiatria, psicopatologia, psicanálise, saúde mental, psicologia médica, psiquiatria geriátrica, psicoses, depressão, melancolia, bipolaridade, cognição, demência, álcool e drogas, dor crônica, psiquiatria transcultural, etnopsiquiatria, etnopsicanálise, transexualidade e saúde mental dos povos indígenas. Coordenador do Laboratório de Psiquiatria Transcultural e Etnopsicanálise (LaPTE) do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ. Coordenador da disciplina Psicopatologia I, oferecida pelo DPML da FM para o curso de Psicologia. Coordenador do Ambulatório de Saúde Mental e Diversidades. Membro da Escola Letra Freudiana.

Maria Tavares Cavalcanti, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Professora titular do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRJ; diretora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ de 2010 a 2018; Mestrado e doutorado em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

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Publicado

19-11-2024

Como Citar

França, V. H. A. de, Reys, B. N. dos, & Cavalcanti, M. T. (2024). Somos capazes de escutar as vulnerabilidades socialmente induzidas? : Repensando o lugar de escuta em psicanálise para além da ’’abstinência’’ do analista. PLURAL - Revista De Psicologia UNESP Bauru, 4, e024p10. https://doi.org/10.59099/prpub.2024.93